É sabido por todos que a Polícia Militar de Minas Gerais limita as vagas destinadas as candidatas do sexo feminino em seus concursos. Essa limitação se dá em decorrência da aplicação da Lei Estadual nº 22.415/16 que fixa os efetivos da PMMG e do CBMMG.
Assim dispõe o artigo 3º da referida lei:
Art. 3º – O número de militares do sexo feminino será de até 10% (dez por cento) do efetivo previsto nos Quadros de Oficiais – QO – e nos Quadros de Praças – QP – da PMMG e do CBMMG e no Quadro de Oficiais Complementares – QOC – da PMMG, não havendo limite para o ingresso nos demais quadros.
Ocorre que, não há qualquer substrato técnico ou científico a justificar a limitação de mulheres nos quadros da Polícia Militar de Minas Gerais a apenas 10% do total do efetivo.
A rigor, a igualdade, sobretudo no tocante ao acesso a cargos públicos, deve ser tratada como regra, somente se admitindo a introdução de tratamento discriminatório de forma excepcional, quando circunstâncias de ordem fática, técnica ou social justificarem o tratamento diferenciado. Nesse sentido, assim informa a Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(…)
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
No cenário de constitucionalidade e legalidade de requisitos de acesso a cargos públicos baseados em discriminação de gênero, os Tribunais Superiores somente admitem a discriminação quando os critérios diferenciadores sejam autorizados por Lei e devem ter fundamentação adequada e proporcional, no sentido de indicar claramente a motivação da distinção, bem como a legitimidade do objetivo perseguido pela Administração ao aplicar tal distinção. Vejamos os entendimentos do Supremo Tribunal Federal – STF e do Superior Tribunal de Justiça – STJ nesse sentido:
Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Militares da Aeronáutica. Critérios diferenciados para promoção de militares dos sexos masculinos e femininos. Não violação do princípio da isonomia. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 285.146 AgR, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/03/2006, DJ 07-04-2006) Recurso extraordinário. 2. Concurso público. Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul. 3. Edital que prevê a possibilidade de participação apenas de concorrentes do sexo masculino. Ausência de fundamento. 4. Violação ao art. 5º, I, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário provido. (RE 528.684, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 03/09/2013)
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. LIMITE DE IDADE. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DA BAHIA. PREVISÃO LEGAL. NATUREZA DO CARGO. LEGALIDADE. 1. É firme no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é possível a definição de limite máximo e mínimo de idade, sexo e altura para o ingresso na carreira militar, levando-se em conta as peculiaridades da atividade exercida, desde que haja lei específica que imponha tais restrições. 2. O art. 5º, II, da Lei estadual 7.990/2001 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia) aponta a idade como um dos critérios a serem observados no ingresso na Polícia Militar baiana. 3. Deve-se reconhecer a legalidade da exigência de idade máxima estabelecida pelo Edital SAEB/01/2008, considerada a natureza peculiar das atividades militares. Não há, portanto, falar em ofensa a direito líquido e certo do impetrante. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no RMS 41.515/BA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, STJ, julgado em 02/05/2013, DJe 10/05/2013).
Conforme dito, a Lei Estadual nº 22.415/2016 não apresenta qualquer fundamentação legítima dentro dos parâmetros da proporcionalidade para justificar a limitação do efetivo de mulheres nos quadros da Polícia Militar a somente 10% (dez por cento). Ademais, não existe na lei questionada e nem em nenhuma outra lei da PMMG motivos, claros e precisos, técnicos ou científicos, que indique ser plausível a restrição à atuação feminina nas corporações militares.
Por fim, em decisão histórica publicada no dia 10 de agosto de 2022, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais declarou inconstitucional a restrição de 10% (dez por cento) das vagas para mulheres para ingresso na PMMG e no CBMMG.
O Órgão Especial do TJMG responsável pela análise de constitucionalidade do dispositivo da Lei Estadual nº 22.415/16 entendeu que a Instituição não poderia justificar tal limitação tão somente com base na questão da diferenciação biológica, haja visto que a corporação não tem como atividade precípua o só emprego de força física. Vejamos o referido julgado:
EMENTA: ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – POLICIA MILITAR – LEI N° 22.415/2016 – PARTICIPAÇÃO FEMININA LIMITAÇÃO-INCONSTITUCIONALIDADE.
– É inconstitucional, por injustificadamente discriminatório e preconceituoso, o dispositivo da Lei estadual n° 22.415/2016, que limita de antemão o percentual do efetivo feminino na Polícia Militar de Minas Gerais, partindo apenas do pressuposto da diferenciação biológica, porquanto consabido que a corporação não tem por atividade precípua o só emprego de força física, empregando para suas finalidades outras tantas ações de prevenção, de inteligência e policiamento ostensivo, para os quais não apenas útil, mas indispensável a diversidade.
– Conquanto a norma possa estabelecer distinções e fixar critérios de ingresso na corporação policial levando em conta a capacidade física, essa a ser devidamente avaliada em testes específicos quando do processo de seleção em concurso público, devendo a análise e a exigência guardar relação estreita e, assim, justificar-se validamente, a partir da natureza da função a ser desempenhada em específico, sem o que o parâmetro distintivo se torna meramente discriminatório e instrumento de exceção, conduzindo à sua inconstitucionalidade. (Arg Inconstitucionalidade N° 1.0000.20.047368-4/003, j. 10/08/2022.)
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